domingo, outubro 29, 2006

O Nítido Brilho do Anoitecer.

Kassandra fora uma menina brusca e distraída. Acordava, toda manhã, e ficava minutos olhando-se no espelho, reparando em coisas que queria que fossem diferentes. Passava o batom vermelho, vermelho em seus lábios carnudos e corria para a escola, pensando no vestido que usaria mais tarde para ir a uma festinha qualquer.
Sentia o tempo batendo em seu rosto, à toa. Mas não percebia. Apenas queria festas, festas, proibições, proibições. Não se importava em falar com sua avó, que se balançava na cadeira de balanço, toda tardinha, depois da novela.Ou, até mesmo, em dar um beijo gostoso em sua mãe, antes de correr para a cidade e comprar bijuterias para se embelezar. Ela apenas queria ser bela. Ter um futuro brilhante. E ser querida por todos. Era grossa, quando era preciso para seu sucesso. Brigava com sua família, pois tudo que dizia era sempre o que considerava certo. E, oh, que fazia tanto jus disso. Reclama de tudo. Do mundo, das pessoas, dos lugares. Só ela era. Só ela.
Tal que Kassandra era uma mulher feita. A idade já começava a se passar em seus olhos. E flor jogara no último adeus à sua avó. Aquela avó que apenas desejara um segundo de sua atenção, e que teria dado tudo por um pingo de sentido. Mas a mulher não o tinha. Não o sentia. Agora, só pensava em seu trabalho. Precisava ser promovida, ser considerada a melhor.
A magicidade das coisas, definitivamente, haviam sumido por completo. Sem rastro, sem ter deixado recado. Mas quem se importava com isso, afinal? O que realmente importava era o dinheiro, o luxo e tudo que um bom emprego havia de lhe proporcionar. Tinha liberdade para tudo, agora que colocara sua mãe num asilo e não tinha mais de se preocupar com uma senhora, que começava a se esclerosar.
Prendia-se apenas a sua vida econômica. Não tinha tempo para isso, não tinha tempo para aquilo. Era ela e ela. Ela e ela. Sem amores platônicos ou reais. Apenas admirações pelos galantes astros de cinema, o qual ela dava uma passada uma vez ao ano, se restasse espaço em sua ocupadíssima agenda lotada.
Mas, em seu mais íntimo, ela começava a sentir um vazio. Seria Amor? – Perguntava-se. Não, não podia ser. Tinha seus joguetes que lhe davam prazer. Amizade? Não, tinha aquelas tão ricas amigas que a elogiavam e prestigiavam em tudo. Por Deus! O que poderia ser, então?
Com essa tão grande angústia, procurou ocupar seu tempo mais e mais, a fim de que não mais tivesse momentos de reflexões loucos e insanos. Plásticas começava a fazer. Roupas e roupas começava a comprar. E, quando ficava sozinha, sentia um grande aperto em seu peito.
Decidiu-se, então. E casou-se. Teve filhos, lindos filhos. Mas aquele vazio continuava, para sua terna infelicidade. A atormentava toda noite, sem folga. Sua mãe a deixara numa noite tempestuosa. Lágrimas caíram, jogadas ao ermo. Mas a vida continua, lembrava-se toda manhã. Voltava ao trabalho, ao seu tenso trabalho. E seus filhos crescendo iam.
Já estavam com seu vinte e oito anos, quando Kassandra teve seu primeiro ataque cardíaco. Como fora doloroso, ver seus gêmeos, tão sérios e crescidos vendo-a numa cama de hospital, acabada.
Mas recuperou-se. Voltou à vida. E não mudou. Continuou a mesma. A mesma.
Seus filhos casaram-se e seu marido a abandonou por uma mulher mais jovem. Ah, a ausência disso tudo! Sentia na pele o que era sofrimento. Como se arrependia, agora. Como queria voltar pelo rio e ter seguido rumos tão, tão diferentes.
Mas não há mais volta, pensava, sentada na cama do asilo, o qual fora jogada há pouco tempo. O sonho chegava ao fim.
Sentia dor por ter feito tantas coisas, sentia dor por ter deixado de viver tão cedo.
Mas, Kassandra, agora com seus oitenta e cinco anos entende muito bem. Entende que o tempo não sonha materialismo. Entende que o tempo não sonha futilidades. Entende que o tempo não sonha passados e futuros.
Mas entende, principalmente, que o tempo apenas sonha o presente.
E o que o brilho da noite trazia para si, agora, é maior do que tudo que já sentiu e vivenciou. É mais sentido do que tudo que tivera. É tão real e tão imaginário quanto uma alegria.
Ele trazia, consigo, a verdadeira essência de mais uma vida passada em vão.

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