Foi naquela manhã de vênus, ele estava parado na porta, quase uma estátua de alma viva. Eu nunca havia reparado no seu olhar sóbrio, atento a todos os detalhes que o mundo vomita em imagens e sons. Definitivamente, o peso da lua criava feridas, e eu nunca imaginei que só sua presença me faria tanto mal.
Nem ao menos se moveu para olhar-me. Continuou parado, sem expressão. Eu não me contive, queria gritar, chorar... morrer! Tudo justificava as minhas vontades, mas nada era suficiente para mantê-las vivas. Imaginei, por um momento, estar errada sobre tudo. Você ainda era meu, como o oceano e a linha do horizonte, como o sol e a lua. Mas era o doce engano, e, quando pisquei, a realidade respondeu com um sorriso.
Tinha uma garrafa de vodka na mão, olheiras profundas e parecia não respirar. Eu respirava descontroladamente e arranhava as mãos com as próprias unhas. Algumas lágrimas escorriam do meu rosto, mas os óculos as escondiam.
Senti sua face virando em minha direção. E seus lábios começavam, em frênesi, a formar os primeiros fonemas.
- Pare - eu disse. - De sua boca, agora, não quero ouvir palavras.
Ele não teve coragem de encarar-me. Abaixou a cabeça, como um cachorro com medo do dono. A mim, ele era um estranho. E, com toda paixão, para ele eu era o mesmo. Passou as mãos pelo cabelo. Sempre que fazia isto, era sinal de medo. Eu o conhecia melhor do que ninguém, era quase sangue em sangue, sem sangue.
Senti a janela trazer as lembranças. Pensei em correr e abraçá-lo e nunca mais ir para longe. Mas meus pés não se moviam e eu não lhes tirava a razão.
Há tanto tempo que o vazio dominava as paredes. Não era algo novo, essa sensação de desprezo que vivenciávamos naquele momento. O que eu sentia não era mais amor; era sentir apenas por sentir. E, pela forma que ele não respondia com a alma, sentia, também, a angústia.
- Acabou - as palavras saíram arrastadas, fui pega de súbito. - Esgotou-se o que achávamos que iria durar.
Eu abri a boca para tentar impedi-lo, mas ele já saia pela porta que estava encarando há horas. Corri até a janela e o vi, com seu andar apressado, pegando um taxi e provavelmente indo para longe, muito longe. Tentei gritar: "Não!". Mas nada de minha boca saiu, eu fiquei paralizada durante muito tempo, senti os primeiros raios solares encostando em minha pele, debruçada na janela.
Não conseguia pensar em mais nada. A mente estava vazia. Mas, afinal, não era isso que eu queria? Ver-me livre de um falso sentimento? Sentimento, que, junto ao ermo, parecia voltar a existir em verdade.
- Amor... amor.
Era essa voz suspirando na minha cabeça. Tentei calá-la, tentativas frustradas. Continuou durante horas, até que reparei os sentidos com pancadas na parede. Gritava com a minha mente, em briga contínua, mas, enfim, ganhei a guerra.
Vi o que não queria ver: eu estava sozinha. E dessa vez era para sempre, nada mais completaria o que eu costumava chamar de vontade de viver. Ele foi embora, pela mesma porta que entrava tantas vezes sorrindo e dizendo que me amava. Um amor que também por sua boca se fez extinto. Um amor que, somente em mim, será eterno.
Sentada hoje, na mesma janela por onde o vi partir, posso ver as luzes da cidade, ao longe, crescendo e diminuindo.
Crescendo e diminuindo...
E, enfim, apagando-se por completo.
Somente um pequeno vaga-lume continua a iluminar a triste cidade, que ainda sonha em ter suas grande luzes, crescentes e dimutas, de volta em seus braços.
3 comentários:
Não achei ridículo.
Gostei ;D
bjs
triste, bonito... terrivelmente frustante... mas bonito.
c escreve bem(y).
e escreve coisas interessantes, conheço pessoas q usam palavras como sonífero e tal. não é seu caso ;]
=*
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