terça-feira, novembro 14, 2006

Sanque Que Leva a Sangue.

- Noite linda, não?

Abaixou-se, acendeu um cigarro.

- Não, a noite não está linda - vai-se fumaça.

Expressão de espanto.

- Como não!

- Não, simples. Está suja. Cada estrela, um tiro no peito.

- Cala-te, homem! Quanto pessimismo!

- Tenho olhos para ver, não para enganar-me.


Silêncio. Os olhares não batiam. A verdade estava no céu e na terra e em qualquer lugar. Doce polissíndeto. Mas a noite era bonita. E, também, era abominável. Duas vidas distintas numa praça comum, um sofrimento e uma alegria. Ou uma alegria e um sofrimento? Velejavam
pelos campos cinzas do infinito.


- Arre! Como pode, de onde tira tanta amargura?

- Do mundo, caro amigo. Olhe ao seu redor, pobre ignorante. Não vê que é exceção?

- Exceção de quê?

- De sofrimento.


Locução dura. Vencida de tempos, aceitada há muito. Os risos estão poluídos com merda. Os abraços verdadeiros já se foram. O escárnio, de hoje, será vida de amanhã.


- Você sofre?

- Eu, como o mundo.

- Eu não sofro.

- Não há por que fazê-lo. Nunca precisou.

- E você já?

- Inúmeras vezes. Meu sofrimento é maior: está na alma.


Mais uma vez, o barulho de vozes cessou. Uma alma machucada por percepção além do que merecia. Um bocejo sem importância. Pobre é de quem nada percebe. Pobre de é quem tudo o faz. Jamais diria, pois, sorte destes e azar daqueles.


- Alma? Não acredito lá nisso!

- Ora, por isso não sofre de tal moléstia!

- Tenho dores de carne, de velhice, de rugas. Mas não sou sentimental.

- Justo.

- Justo o quê?

- Vindo de você.

- Como assim?

- Tem sorte, apenas.


Um soco na escuridão. Pisou no cigarro com expressão vazia. Queria fechar os olhos, mas, se o fizesse, veria tudo que se tem forçado a não ver.
O outro pensava em dinheiro.


- Sorte? Não ganhei na loteria, ainda.

- Sorte de ser qualquer pessoa que não me seja.

- Oh, pretensão!

- Quem dera que o fosse.

- Se isto não é pretensão, o que é?

- Desejo de matar-me a consciência.

- Não o entendo!

- Factualmente.

- Deixa disso! Vamos aproveitar a noite!

- Vai você.

- Vou-me, um beijo à sua consciência que não consigo entender.


Sem resposta, colocou seu chapéu e foi-se para as gargalhadas, puros prazeres da carne. Pernas, saias, dinheiro. Tudo que um homem poderia desejar.

Ele, sentado no meio-fio, permaneceu por lá até amanhecer. Observando a noite, sem conseguir levantar e tentar alegrar-se um pouco. Quando o sol nasceu, não conseguiu ver seu brilho, o cheiro de sangue ainda era insurpotável.
Pensava em seus filhos e em sua mulher. Como fora egoísta em reagir. Deveria ter entregue o dinheiro, ao invés de tê-lo segurado fixo em suas mãos.




Beirava à morte, e o homem, que o esfaqueou, beirava renascer na luxúria.

2 comentários:

Anônimo disse...

jah comentei oq achei no MSN xD, e ñ repetirir aqui pq quero ver se alguem captou o mesmo que eu xD

Anônimo disse...

Você está melhorando a cada instante a sua fluência na escrita.

Em cada texto consigo perceber o seu estado de espírito na ocasião.

Você é a artista da família! Não desista! Cresça cada vez mais! E... Cuidado com a soberba!

PresbLeukos