- Noite linda, não?
Abaixou-se, acendeu um cigarro.
- Não, a noite não está linda - vai-se fumaça.
Expressão de espanto.
- Como não!
- Não, simples. Está suja. Cada estrela, um tiro no peito.
- Cala-te, homem! Quanto pessimismo!
- Tenho olhos para ver, não para enganar-me.
Silêncio. Os olhares não batiam. A verdade estava no céu e na terra e em qualquer lugar. Doce polissíndeto. Mas a noite era bonita. E, também, era abominável. Duas vidas distintas numa praça comum, um sofrimento e uma alegria. Ou uma alegria e um sofrimento? Velejavam
pelos campos cinzas do infinito.
- Arre! Como pode, de onde tira tanta amargura?
- Do mundo, caro amigo. Olhe ao seu redor, pobre ignorante. Não vê que é exceção?
- Exceção de quê?
- De sofrimento.
Locução dura. Vencida de tempos, aceitada há muito. Os risos estão poluídos com merda. Os abraços verdadeiros já se foram. O escárnio, de hoje, será vida de amanhã.
- Você sofre?
- Eu, como o mundo.
- Eu não sofro.
- Não há por que fazê-lo. Nunca precisou.
- E você já?
- Inúmeras vezes. Meu sofrimento é maior: está na alma.
Mais uma vez, o barulho de vozes cessou. Uma alma machucada por percepção além do que merecia. Um bocejo sem importância. Pobre é de quem nada percebe. Pobre de é quem tudo o faz. Jamais diria, pois, sorte destes e azar daqueles.
- Alma? Não acredito lá nisso!
- Ora, por isso não sofre de tal moléstia!
- Tenho dores de carne, de velhice, de rugas. Mas não sou sentimental.
- Justo.
- Justo o quê?
- Vindo de você.
- Como assim?
- Tem sorte, apenas.
Um soco na escuridão. Pisou no cigarro com expressão vazia. Queria fechar os olhos, mas, se o fizesse, veria tudo que se tem forçado a não ver.
O outro pensava em dinheiro.
- Sorte? Não ganhei na loteria, ainda.
- Sorte de ser qualquer pessoa que não me seja.
- Oh, pretensão!
- Quem dera que o fosse.
- Se isto não é pretensão, o que é?
- Desejo de matar-me a consciência.
- Não o entendo!
- Factualmente.
- Deixa disso! Vamos aproveitar a noite!
- Vai você.
- Vou-me, um beijo à sua consciência que não consigo entender.
Sem resposta, colocou seu chapéu e foi-se para as gargalhadas, puros prazeres da carne. Pernas, saias, dinheiro. Tudo que um homem poderia desejar.
Ele, sentado no meio-fio, permaneceu por lá até amanhecer. Observando a noite, sem conseguir levantar e tentar alegrar-se um pouco. Quando o sol nasceu, não conseguiu ver seu brilho, o cheiro de sangue ainda era insurpotável.
Pensava em seus filhos e em sua mulher. Como fora egoísta em reagir. Deveria ter entregue o dinheiro, ao invés de tê-lo segurado fixo em suas mãos.
Beirava à morte, e o homem, que o esfaqueou, beirava renascer na luxúria.
2 comentários:
jah comentei oq achei no MSN xD, e ñ repetirir aqui pq quero ver se alguem captou o mesmo que eu xD
Você está melhorando a cada instante a sua fluência na escrita.
Em cada texto consigo perceber o seu estado de espírito na ocasião.
Você é a artista da família! Não desista! Cresça cada vez mais! E... Cuidado com a soberba!
PresbLeukos
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