segunda-feira, setembro 25, 2006

O Teto É Bonito.

Eu sei que minha imagem não reflete. Não reflete nem mesmo em um espelho brilhante. Porque não possuo mais imagem, sou feita de invisibilidade. Tudo sumiu: os olhos se foram. Se sobraram-me pêlos, que sejam cortados ou pintados. Porque o branco é o que ficou de toda a vida que já se foi.
Já andei por mares, já nadei em terra. Tudo que vivenciei está comigo, apenas como lembranças que, mesmo erradas, me impossibilitam de viver. Não penso que escolhi assim, ou que deixei fazer. É tudo culpa dele. Do tempo, meu amigo de horas que nunca acabam. Meu inimigo de véspera de vida.
Quando fui tacada aqui, digo tacada, porque, bem, o que sou eu para dizer algo?, senti tudo escapar por meus dedos, como água de praia sem areia. Passei a entender. Ora, eu estava realmente me tornando uma inválida. Uma senhora, diriam os educados. Uma velha idiota, diriam os sinceros. E o que tem de acontecer, sempre acontece.
Quebrei todos os espelhos, um por um, até que pudesse desaparecer com qualquer lembrança de imagem minha. Perdi minha verdadeira carne, perdi minha tão inutilizada alma, até então. Diziam que a coroa estava ficando louca. Pobre velha. Pobre senhora. Pobre inválida. Pobre vovó. Coitadinha isso, coitadinha aquilo. Ninguém percebia que não queria pena nem lamúrias, eu apenas queria dar um passeio de bondinho e ver as crianças brincarem, apenas por cinco minutos. Talvez, com isso, minhas boas memórias viessem até mim, e eu pudesse fingir estar vivendo novamente o calor do mundo. Ou, ainda, sentir, SENTIR, o vento tocar meus cabelos ralos.
Mas nem isso me deixaram, a ordem era única. "Ela não deve ser permitida sair do local."
Tudo bem, eu me viro com as cartas do baralho, com a televisão tão vasta de domingo e com os padres vindo orar por minha alma 'perdida', todos os dias. E, o pior, é que nem católica eu sou.
Mas uma hora esta velha tem que morrer. E o primeiro enfarte veio. Sobrevivi, que pena. Estaria a senhora com o demônio no corpo? Estaria a senhora sem fé? Que nada, eu diria, estaria eu sem vida.
Continuei como rato, como animal que não opina, mas rato sem raiva. Porque nem isso posso ter, afinal, velhas são sempre velhas. Não conseguia mais tomar banho sozinha, não queria mais comer, nada, diria eu, nada eu queria mais fazer.
Era morte na certa.

Foi quando uma menininha veio visitar o asilo. Era lourinha, de pele morena clara, olhos castanhos escuros, um encanto! Toda semana, vinha me trazer uma margarida, e lia um trechinho de um livro para mim. Diria que Deus mandou um anjo para salvar-me.

E Deus nunca erra.

A alegria voltou ao meu coração, chamava a doçura de "netinha". Tinha recuperado a vontade de viver, passei a achar que alguém se importava comigo, alguém finalmente havia notado essa burra velha num canto qualquer.

Hoje, eu sei, estou a beirar a morte. Consigo ver seu barco lento, vindo até meu porto, onde me afogará com sua fraqueza. Mas tudo tem um sentido diferente, parece que voltei a ser a criança que havia se perdido em mim para sempre. Uma criança que não tem medo de nada e sabe da efemeridade do mundo.

Hoje, até mesmo o teto me é bonito.

7 comentários:

Anônimo disse...

Espero que um dia também venham me visitar...

Giselle disse...

O que é vencer? Ser rico? Bonito? Feliz? Estar de bem consigo mesmo? Atingir o auge dos sentidos?

Depende do ponto de vista, eu acho.

Anônimo disse...

E comparar nossos problemas com o dos outros nos torna tão pequenos... Porque sempre terá alguém em maiores apuros do que nós mesmos e porque sempre seremos pequenos perto de Deus.
Bjitos!

Anônimo disse...

Não li meeeesmo, tá de madrugada, tô cheia de sono. Só vim dizer que EU VOLTEEEEEEEEI!!

Anônimo disse...

Eu li... e vc escreve bem demais. hega a ser chato, pq eu fico sem ter o que comentar. Queria escrever como você... =]]
Que me ligooouuu no aniversário! E que foi a segunda pessoa a me ligar! xD

Anônimo disse...

O blog perfeito. O post perfeito. Parabéns.

:*

Anônimo disse...

Você sumiu, nega! Nunca mais te vi on... To preocupada!