quinta-feira, março 05, 2009

retina.

sinto minha falta,
quando abro as janelas
e rasgo as cortinas.

o céu azul me encara,
me zomba, me mata,
me chama.

vem, menina,
vem voar em mim.
solte seus cabelos estrelados
em minha pele escura.

tenho medo!
- eu grito.

medo de quê?

de desexistir.
de ser apenas luz vista
daqui a milhões de anos
pelas pessoas de mãos dadas
na grama verde-escura da terra.

tudo se transforma,
reluzente pequena.
sua luz se tornará eterna
enquanto houver pessoas
para vê-la e senti-la.

e depois que todos se forem?

restará a poesia
que está sendo escrita
por uma parte de você,
que é luz e eternidade,
escuridão e fim.

ah!

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente reflexão ontológica... a angústia da voz poética é a mesma de nós todos: "medo de quê?" O que será de nós, enquanto matéria, no devir do que hoje somos?

O poema parece responder, poupando o leitor de todo o longo percurso até o que seria um ponto ápice da pós-existência, expressa num "desexistir", que é o converter-se em luz... "de ser apenas luz vista". E a veia vital deste poema se faz na imortalização física que o poeta faz da existência humana, ao dizer que, mesmo neste estado frágil de luz, a eternidade estarpa garantida, pois ela mantém-se enquanto manter-se a própria vida... "sua luz se tornará eterna enquanto houver pessoas para vê-la e senti-la." Através dos olhos daqueles que sentem, através de suas retinas, o sujeito que deixou de existir recupera seu existência... ele converte-se em retina.

E mesmo aceitando a possibilidade de que não existam mais seres capazes de sentir essa luz que propaga a existência do sujeito, ainda assim se garante no teu poema o embate eterno, que sempre propagará a vida e permitirá sua própria existência, que é o embate entre luz e trevas. Um embate tido no teu poema como um primordial embate ontológico, o homem e o nada, a menina e poeta do início do poema contra e o céu sedutor que a chama, "vem menina, vem voar em mim", para mergulhar em estrelas, em luz, isto é, naquilo que lhe é oposto "solte seus cabelos estrelados em minha pele escura". Este embate dialético é a condição sine qua non para a existência da poesia e já ocorre dentro do sujeito, "restará a poesia/que está sendo escrita/por você/que é luz e eternidade/escuridão e fim."

Só uma pequena negação que eu faço é a interjeição final, acho-a desnecessária para este poema tão magnífico"