sábado, maio 16, 2009

=

o sinal vermelho, mas carro nenhum. parei os pés no meio-fio, os pensamentos escorrendo pelo corpo até cair no ralo. a rua estava vazia e queria dar as mãos ao deserto que me acompanha. senti o frio vivo do vento que não tocava em nada, apenas esparramava meus cabelos para junto de sua essência feita de sopro.
ainda vermelho-sangue, pulsante, doloroso. há quanto tempo eu estava ali, à espera, tremendo e sendo desfigurada? não me lembro. o sinal verde não pisca, tudo sem nada, e eu adentrando no clima frio-árido.
as pernas não se moviam. estagnaram-se. precisava esperar a cor mudar, não, não posso correr pela faixa com essa proibição. era isso: eu estava proibida.
a chuva caiu lavando o presente. bambeei e fui esparramada na calçada, os joelhos ralados, os olhos chuvosos. você apareceu na porta do meu deserto, sussurrando: um dia de maio eu te amei amei amei um outro dia qualquer eu te nem mais lembrava apaguei a idéia do que sentia e te guardei dentro daquele globo de neve tão adorável de se sacudir e tudo se fez enfeite de natal pueril.
pisquei incontrolavelmente. pisquei como se me tivesse tornado um brinquedo natalino de fato. podem os sentimentos sumir, cravar as garras e depois arrastá-las até deixar o corpo em carne-viva? sim, eles podem. eles podem até teimar em existir sem nem ao menos terem nascido. vêm sorrateiros e enganam. ah, eu fui enganada pelos seus sentimentos, tal como você também o foi.
eu estava tão sozinha do mundo e de mim mesma que, quando você apareceu e me chamou para dançar, eu aceitei. fui guiada pelo salão, esbarrando em outros (e como me foi incrível esbarrar-lhes!). a música parecia incessante, e, naqueles passos tortos e apressados, eu vi o meu deserto ser destruído pouco a pouco.
mas uma vez, me lembro bem, estava conversando com meu reflexo e me foi dito: o seu deserto é infinito. quebrei o espelho com raiva, as mãos sangrando feridas. ainda tenho as cicatrizes da minha mentira. dei um golpe no meu rosto e desapareci com o que ainda restava de supostamente real dentro de mim.
eu continuo caída na calçada. a culpa é minha!, um grito no silêncio. me deixei dançar e girrar e girar e girar até ficar tonta e cair como estou agora. o tango cresce como uma rosa, emana odores, floresce e depois murcha. eu murchei, e, mesmo que tivesse dançado uma valsa (flor de plástico, doce arte), murcharia: - meu deserto é forte.
meu... amor? ... escorrendo com a chuva, brincando de morrer com a noite. o sinal fechado, a dor aberta. o mundo é trânsito, eu sou a pedestre impedida e os carros livres inexistentes.

2 comentários:

Raphael disse...

Cara... que texto triste. Não gosto disso, mas me sinto estranhamente próximo dele. As coisas que sinto.

Anônimo disse...

Li.
Alvus.