terça-feira, abril 01, 2008

simples complexidade.

Não conseguia entender o que era tudo, quem ela era e quem nós somos. Não, definitivamente não. Estava cansada de fingir que sabia das coisas, mas por dentro ver e tocar o verdadeiro desconhecido, os porquês, os motivos, a relatividade de seu corpo e de sua alma.
Queria saber por que tinha essa tão impetuosa indiferença, esse não querer e fazer forçado, uma vida sobrevivida, um meio apenas para nicho ecológico. E às vezes perguntava-se qual era sua função, qual era a função do céu e do sinal de trânsito, então. Este último tinha como obrigação impedir a morte de pessoas, acidentes e surtos, mas para quê? Por que ter apenas três cores se a vida depende de milhares delas? E o que ela estava fazendo sentada ali, com as pernas para fora da ponte, olhando metros abaixo o trem das sete passar?
Enrolou os fios de cabelo com a mão e balançou o pé. A idéia estúpida de tentar voar para ver como é passou por sua cabeça, riu logo após, um sorriso enviesado, quase encorajador. Vamos, o que você está esperando? Sinta o ar em você, entrando em seus pulmões, sinta a força da gravidade e... o alimento em vermelho dos trilhos. Cuspiu e voltou a divagar.
Sua cabeça girava, somente de olhar para o horizonte, que se encontrava como uma fumaça muito vasta e escura, juntando-se com o doce cheiro urbano. Ficou enjoada. Por que ela ainda não conseguia levantar-se? Era difícil forçar a obediência das pernas, quando estas queriam descansar e não ouvir o barulho surdo de sua casa. O mundo é realmente engraçado: possui milhares de pessoas, mas apenas uma encontrava-se em uma ponte sozinha a balançar os pés. Onde estavam todas as outras? Jantando em casa, ouvindo música, dormindo, morrendo... mas onde estaria a real ligação?
Levantou-se bem devagar e acendeu um cigarro. Tão nova e já viciada. Os vícios carnais, reais e fatais são os melhores. Ter um vício na alma é muito, muito pior. Ela fumava não pela necessidade da droga, mas por que gostava de ver a fumaça saindo de sua boca e ir subindo, subindo, subindo até desaparecer completamente e misturar-se às nuvens. Que idéia! Como poderia estar apaixonada pela união e perda total de si mesma no céu?
Desceu a ponte até a ruazinha tão doce de Santa Teresa. As pessoas preparando-se para montar suas barraquinhas, agitadas, correndo, olhares ávidos e tristes. Sentiu pena e suspirou. Será que essas pessoas descansavam, pensavam sobre para onde tudo vai e para onde tudo retorna? Não a mulher com olheiras tão espessas que com elas chorava.
Chegou ao sinal. A maior rua da cidade, ela atravessava-a uma vez por mês, quando decidia ver o trem correr para seu objetivo. Verde: os carros passando, as pessoas olhando os relógios de pulso. Tentou forçar os olhos míopes para ver quem estava do outro lado. Sacudiu a cabeça. Não podia ser: quanto mais apertava os nervinhos dos olhos, mais se convencia de que estava olhando para ela mesma, do outro lado da rua. E não apenas isso, mas estava vendo o seu lado exato refletido no outro lado, todas as pessoas que estavam aglomeradas em sua ponta estavam também na outra ponta. Só poderia estar sonhando.
Sinal amarelo: metade.
Sinal vermelho: os transeuntes começaram a andar para o seu rumo. E lá foi ela, pasmada, assustada e ansiosa. Ao olhar para seus lados, percebia as pessoas de um lado passando por dentro de si mesmas opostas e, após isso, tornavam-se almas e corpos diferentes. Cada um indo em uma direção. Parecia que, passado o toque e a passagem, voltavam a ser o que eram, ou talvez o que se tornaram.
Sua vez havia chegado: foi de encontro ao seu eu e sentiu o corpo tremer no momento em que se tocaram com a ponta dos dedos e foram atravessados. Respirou profundamente e pareceu compreender o todo completo.

Quando olhou para trás, a mulher de cabelos compridos e ruivos, os olhos penetrantes e o rosto desconfiado, estava olhando em sua mesma direção com uma expressão de questionamento: mas por que o esbarrão, menina?

Voltou a olhar para frente e soprou mais uma fumaça, deliciada.

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