sexta-feira, março 11, 2011

tornou a espiá-lo (era pelo canto dos olhos que fazia existir o amor).

uma tarde adocicada entrava pelo quarto, música calma e viva tocando a pele daquele homem sentado na beirada da cama, as pernas dobradas, como impaciente, os olhos se revirando da janela ao teto e do teto aos pés.
ela estava dentro de um cansaço quase desenfreado, queria se levantar e gritar a dor que estava sentindo, um mundo inteiro de peso nas costas sendo deixado para trás. e queimando cheio de cicatrizes.
ainda estava no umbral, meio enviesada para não tampar os raios de sol que batiam no rosto dele. era como se ele se tornasse parte da natureza ou parte de uma pintura que ela queria poder pendurar no quarto, para admirar até tenras idades. ou jogar para o mundo, colocar dentro de um balão e soltar vida afora.
lembrou, ali quieta, dos momentos que já pareciam ser parte de outra vida, dos sorrisos e das enganações, de todo o amor que arrumara graciosamente nas palmas das mãos abertas. eram mãos pequenas, mas as unhas eram vermelhas, e as linhas fortes. isso lhe concedia certa dose de mentira.

"não, não há mais o que ter. não quero mais esse anel, essa casa, seus sapatos ao lado da porta. nem quero mais sentir esse gosto doce das lembranças que tentam me possuir, como um demônio de várias línguas.
ontem, chorei por horas a fio ao lado do telefone. depois de meia hora, já não sabia mais por que chorava. só chorava porque estava chorando e chorar machucava e expurgava a vida de tal forma que me fazia tremer até os tímpanos. de repente, como um clímax, percebi que podia parar de chorar em paz. é que eu chorava por algo que não era mais meu (ou quem sabe nunca foi). eu chorava porque queria de volta o que achava que tinha. entende?"

"não entendo muito bem. mas peço desculpas, porque, sabe, acho que te deixei meio confusa e perdida. diria até que meio louca. mas o amor existiu, agora é outra coisa. quem somos nós para controlar o que o amor é ou se torna? ficamos exigindo situações, conclusões, ações exatas... e no final das contas, para quê? ser feliz com o seu tempo e suas mudanças é do que preciso. é do que precisamos todos nós."

não se tratava de nada disso, e ela sabia. já estava superada. queria agora dar um passo à frente, cruzar aquele maldito gosto adocicado -que mais tarde identificaria como saudade- e dirigir para além daquela casa, da janela e de tudo que tinha criado para suprir o que lhe faltava.
só assim poderia fechar os olhos, ainda que um cisco a contorcesse de dor.

Um comentário:

Edmar disse...

Gostei do blog ! Talvez seja sadismo mas gostei do que foi escrito...Doloroso... Mas gostei...