quarta-feira, novembro 21, 2007

Era-se uma vez.

Estava em pé, apoiada em um dos lados daquela ponte há horas. Era uma ponte pequena e gasta, mas incrivelmente maravilhosa. As plantas haviam-se apossado de sua madeira, misturando-se meramente como matéria em matéria, ocupando um mesmo espaço. Abaixo de si havia um lago com milhares de gigantescas Vitórias-Régias. Verde, baixa, verde: lembrava-lhe um quadro de Monet.
Seus olhos brilhavam e parecia ansiosa. Não, definitivamente estava ansiosa, passava os dedos pelos cabelos, enrolando-os bem de leve. Estava em uma floresta conhecida, porém pouco visitada, e sentia-se como uma adolescente. Vento fresco, fios voando, segure o vestido. Ajeitou o chapéu de veraneio, caía-lhe bem com aquele leve vestido bege e sandálias brancas e baixas. Seu rosto representava vinte e um anos de vida, mas possuía trinta e três, às vezes as marcas não se mostravam na face. Carregava uma bolsa grande e bonita, e um guarda-sol estava apoiado na ponte, cheio de bordados e mimo. Na mão direita segurava com força um livro vinho: "Olhos de Lucy"; mostrava uma grande paixão e cuidado por ele.
Tocou no pingente de coração que estava pendurado entre seus seios, e o apertou lentamente. Abriu-o e encarou os ponteiros: cinco horas e dezessete minutos. Agarrou o livro junto a si e quedou-se por um instante em uma página. Fechou-o logo a seguir. Começou a andar ansiosa pela ponte, um nervosismo repreendido pelo bom senso. Tacou pedrinhas no lago, fechou os olhos, bateu o pé, arrancou o chapéu!

- Nada - passou a mão pelo cabelo dourado e longo. - Oh, onde! Para onde? É aqui, estou certa!

Olhou novamente a hora. Ficou vermelha de raiva. Gritou ferozmente e sussurrou devagar, gritou e sussurrou. "Stevan, oh, Stevan!" Tirou as sandálias, derrubou o guarda-sol e correu com o livro nas mãos até a clareira da floresta. Nada, ninguém, absolutamente vazio. Ajoelhou-se um pouco e algumas lágrimas pareceram escorrer de seus olhos: havia chuva, pequenas gotículas finas.

- Não, não se pode haver chuva! Não!

Levantou-se rapidamente e correu de volta para a ponte. Arrancou o vestido raivosamente, despiu-se por completo. Sentia um frio terrível pela chuva que agora tocava seu corpo nu. Mas não se importava. Arrebentou o cordão com o pingente e o jogou no lago. Estava desesperada, o coração sumiu na água.

- Adeus, Stevan! Engula seus presentes!

Abriu o livro e começou a rasgá-lo página por página, as letras ficando embaçadas pela chuva, até chegar... ali.

"Então Lucy estava bela, realmente bela, muito mais do que jamais a vira. Quando cheguei à ponte, olhava aquelas plantas aquáticas. O sol forte, mas faltando pouco para pôr-se, iluminava seus cabelos sedosos e dourados. Ela me olhou, com aquele olhar vidrante, aquele olhar de sempre, e eu fui magnetizado, correndo até ela... minha Lucy, seu Stevan."

Chorou desesperadamente. Oh, que não havia de ser assim. Mas era! Era, e a raiva lhe subia. Jogou o que restou do livro no lago e abriu sua bolsa, apenas para pegar uma camiseta e um short jeans meio surrado. Puxou um livro de dentro da bolsa, e jogou-a logo após na água.

Seu nome agora é Sheila. Iria para a África.

Folheava as páginas enquanto andava de uma nova maneira, com novos tiques e novas letras...

6 comentários:

Unknown disse...

Eu gostei me lembrou aqueles livros da Jane Austen!

THT disse...

proposta incomum ^^ gostei ;)

Unknown disse...

*-*
M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O.
adoooooooooorei
ahh sem explicações..
amei o texto.

vou linkar ta!?

beijoos

Anônimo disse...

Há! Você é meu orgulho. Entra logo para a Universidade, mulher. Vem ser minha caloura.

Já leste algo do Júlio Cortazar? É fascinante. E a idéia cíclica é bem parecida com a do seu post. Vá dizer, adorie o tema. Muito, demais. Talvez eu tivesse escrito de forma diferente (claro, são estilos diferentes), mas o tema é maravilhoso.

Sugiro muito que guarde com carinho este post. E daqui a alguns meses releia e faça algo que, em geral, temos muita pena de fazer: reescreva, se achar que assim o deve.

;***

Anônimo disse...

Haha
Como eu disse pra você e pra Marina, eu não pude ler ontem mas eu pude ler HOJE :D
Muito bom, como sempre. Chama a gente de talentosa, logo quem falando né... ;D
Beijos

Anônimo disse...

totalmente diferente do que achei que seria! auhhuauah incrível!
adorei isso..."Folheava as páginas enquanto andava de uma nova maneira, com novos tiques e novas letras..."
quem nunca viveu certas coisas através de livros, né? nossa, vidas e saudades.
Muito bom, pree!
beijooos menina-cabelos dourados =*