sábado, julho 14, 2018

ela, em alguns dias desastrosos, pensava: de hoje não passa. milagre ou catástrofe, não há raio caindo em lugar algum. da janela de seu apartamento naquela rua silenciosa, sem grades porque não tem filhos, sem rede porque não tem gatos, pendurava as pernas sem nenhum impedimento. a iminência da queda era sua reza, seu canto torto. sentado ao seu lado, o tranquilo girassol apontava pro lado oposto, estava de mal com a mulher que esquecera de regá-lo. se não conseguia tomar conta de uma flor no pequeno espaço de sua vida frágil, como seria possível aguentar todos os anos? era preciso beber água todos os dias, entre outras obrigações.
meditava de frente pra morte. tranquilamente, fechava os olhos e esvaziava a cabeça. se eu cair, morro antes ou só no chão? e o poema que deixei incompleto em cima da mesa? ainda preciso tomar um copo de café. o perfume de jasmins do outro lado da rua contaminava seus pensamentos, agora pensava em forma de cheiro, estava confusa como só uma flor pode estar.
o interfone tocou. saiu de seu jardim. atendeu. desceu as escadas correndo. era sua entrega: bolo de laranja da padaria do seu zé. desmarcou seu encontro e ligou a cafeteira. qualquer outra coisa pode esperar mais um pouquinho. há muitas noites pela frente e uma janela que não sai do lugar.

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